8.9.15

Resenha: Terra Sonâmbula

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Título:Terra Sonâmbula
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
I.S.B.N: 9788535925814
Número de páginas: 200
Ano: 2007
No contexto da guerra do Moçambique, Muidinga e Tuahir encontram um machimbombo (ônibus) incendiado e o utilizam como refúgio. Entre cadáveres carbonizados encontram um homem baleado, já morto, que carregava consigo uma mala cheia de cadernos, os cadernos de Kindzu.
Muidinga, que não conseguia lembrar de nada do seu passado, pois tinha sido salvo a pouco tempo por Tuahir, descobre que sabe ler, e então esses cadernos passa a ser a diversão da dupla, uma forma de fugir da fome e do próprio terror da guerra. Nesse caderno, Kindzu conta sua história em meio a essa guerra, com personagens que aparecem e somem de uma hora para outra.
A leitura do livro não é exatamente fluida, ela precisa de muita atenção devido à ampla gama de personagens e aos neologismos do autor, o que me lembrou bastante o Guimarães Rosa. Mia Couto, o autor, abusa de palavras típicas do Moçambique, o que é uma forma muito legal de aprender sobre a cultura de um outro país lusófono. 
O livro mostra os impactos do neocolonialismo, os traumas de uma guerra para uma população extremamente pobre, e a morte da rica cultura tribal. O autor também faz das lendas moçambicanas, o que é muito interessante é enriquecedor.
As vezes, a quantidade de personagens acaba confundindo um pouco, porque eles aparecem para contar uma história e depois somem; são espécies de metáforas que o autor usa para simbolizar a situação do Moçambique, ou até mesmo a sua historia. A maioria deles são miseráveis em todos os sentidos da palavra; encontram-se devastados, perdidos, deslocados.
A passagem em que Farida, uma moçambicana é estuprada por Romão e dessa violência nasce um mestiço, exemplifica bem o processo de miscigenação que ocorreu no Moçambique, no Brasil e em qualquer civilização que tenha passado pelo colonialismo.
A obra é cheia de citações maravilhosas, destrinchando a historia do país com a sensibilidade e a dor de seus habitantes, que não reconhecem mais a sua terra como sua. Para isso, a loucura é muito usada, assim como uma espécie de retomada do mito do homem original; as personagens têm algumas atitudes que remetem ao homem primitivo, buscando satisfazer as suas necessidades de sobrevivência e de sexo,
Os cadernos de Kindzu ocupam a maior parte do livro, embora sejam intercalados com as andanças de Tuahir e Muindinga, e são nesses relatos em que entra a maior parte da análise do Moçambique e de sua colonização. A dupla de refugiados utiliza as histórias alheias para esquecer um pouco dos próprios problemas, apresentando-se mais como resultado das historias de Kindzu. Muindinga não tem identidade, e anda com Tuahir em busca dela, em busca dos pais perdidos, a contragosto do velho que o quer como filho, como uma parte de si contrária àquela desolação trazida pela guerra. 
Acho que nem preciso falar que gostei bastante do livro, que faz parte da lista de obras obrigatórias da Unicamp. Não sei como eles podem cobrar isso na prova, mas como ex-vestibulanda creio que eles aproveitem passagens do texto para perguntar sobre o neocolonialismo , sobre variantes linguisticas e também sobre os aspectos filosóficos da dominação. A obra tangencia boa parte dos sentimentos humanos: o trauma, a raiva, o desejo sexual, gratidão, saudade, medo, amizade e choque de culturas.
Eu recomendo o livro mesmo para quem não vai prestar o vestibular, ele é muito rico em conhecimento e cultura, além de ser fantasticamente bem escrito.Além disso, é uma delícia de ler, de conhecer aquele português diferente, aprender palavras novas... E se emocionar muito. Não tem como não ficar tocado a cada passar de páginas, e o final é para dilacerar o coração.  Virei fã do Mia Couto, Quero outras obras dele. 

4 comentários:

  1. Parece ser um livro tenso, bem realista. Gosto do gênero. Dica anotada e parabéns pela resenha!

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    1. Sim, muito! Tão realista que as vezes chega a chocar. Conheço pessoas que largaram por achar muito pesado!! Obrigada, seja bem vindo a bordo!

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  2. Oi Lívia, adorei sua resenha...parabéns!

    O livro parece ser ótimo!

    Beijokas da Quel ¬¬
    Literaleitura

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    1. É muito bom sim, Quel! Muito obrigada! Seja bem vinda a bordo!

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Ilustração por Wokumy • Layout por