19.11.15

Resenha: Amar, verbo intransitivo

Título:Amar, verbo intransitivo
Autor:Mário de Andrade
Editora: Círculo do Livro
Edição: n/d
Ano: 1982
Número de páginas: 151
ISBN:n/d

Um verbo intransitivo não requer um complemento, não havendo necessidade de um objeto para completá-lo. Mesmo assim, é possível enriquecer o sentido de uma frase acrescentando outra informação ligada ao verbo. Estes complementos opcionais são chamados de adjuntos adverbiais. Por exemplo, o verbo morrer é um verbo intransitivo. "Ele morreu." é uma oração de sentido completo. Contudo, posso acrescentar detalhes sobre sua morte: "Ele morreu de amores." Como vocês podem ver, mesmo sendo completo, um verbo ganha um significado muito maior quando acompanhado. E qual é transitividade do verbo amar? O amor exige um complemento? Segundo a gramática, amar é um verbo transitivo. Mas teria Mário de Andrade, um dos grandes nomes da literatura brasileira, errado a transitividade do verbo amar? Antes de responder a esta pergunta, vamos falar um pouquinho sobre o livro.

A história começa quando o senhor Sousa Costa, um homem da classe alta paulistana, fecha contrato com Elza, uma alemã, oferecendo-lhe um belo salário. Para a família, a nova empregada será uma governanta: tem a função de educar as crianças segundo o modelo alemão e será tratada por Fräulein. Porém, para o filho mais velho de Dona Laura e Souza Costa, Carlos, ela tem uma lição muito maior do que a língua germânica, a literatura, as notas no piano e as boas maneiras. Fräulein ensinará o rapaz a amar.
Quando foi contratada, estava bem claro para Elza que ela não seria uma simples governanta. Apesar de muito culta e bem instruída, a situação da Alemanha obrigou a mulher de 35 anos a mudar para o Brasil, onde desempenharia um ofício muito importante para os pais de rapazes ricos. Fräulein é uma amante profissional, ou seja, é trabalho dela iniciar rapazes ao mundo do amor e do sexo para que não caiam nas mãos de "aventureiras" interessadas apenas no dinheiro que herdarão dos pais. E Fräulein cumpre com louvor sua função. Como todo bom alemão, é metódica, correta, íntegra. E orgulha-se de sua raça, dos seus ilustres conterrâneos. Está sempre com um livro nas mãos, sempre impecável, os cabelos ajeitados, sem um fio sequer fora do lugar. É uma personagem extremamente bem construída. Apesar de aparentar frieza, ela cumpre seu dever com uma paixão incondicional. Sua integridade vai além do moralismo tradicional e não sucumbe jamais ao "jeitinho brasileiro". Mas também espera que cumpram com ela o que foi combinado. Eu poderia exemplificar uma das mais belas passagens do texto aqui, mas creio tratar-se de spoilers.
No decorrer do idílio (o próprio autor o caracterizou assim, embora ironicamente, já que em um idílio ambos os personagens têm certeza da reciprocidade do amor), Carlos e Fräulein se apaixonam. Na verdade, a governanta foi paga para que Carlos se apaixonasse, porém, deveria manter-se "sóbria", por falta de uma palavra melhor, em relação ao amor. Carlos amaria sozinho. Elza não pode se apaixonar. Porém, a vida é feita de surpresas, e ela passa a nutrir uma paixão pelo rapaz.
Voltando à questão da transitividade de amar, não creio que o autor desconhecesse a gramática, pelo contrário. O meu palpite é que ele usou este "erro" para criar uma espécie de trocadilho, que é desenvolvido ao longo da história. Fräulein é paga para ensinar o amor, logo, ela não é o objeto direto de  que o amante precisa. Ela está mais para um adjunto adverbial. O seu pupilo amará sozinho. E no futuro, poderá construir uma família íntegra também, mantendo o patrimônio herdado, então, deve aprender a entregar-se a um relacionamento sério e duradouro, mantendo o sobrenome familiar bem falado. Precisava aprender a amar para ter um casamento feliz, para casar bem (com alguém da mesma classe, é claro).
A TBR Jar mais uma vez me levou a retomar uma leitura abandonada. Eu iniciei a leitura no final de 2012 quando prestei vestibular para a UFSC, mas não deu tempo de terminar até a prova, até porque estava estudando muito e fazendo muitos outros vestibulares. Além disso, achei o livro um tanto chato. Apesar de não ser tão antigo assim, a linguagem é um pouco complicada pelo fato de Mario de Andrade ser modernista e, portanto, querer escrever com algumas marcas de oralidade. Sabemos que a linguagem falada muda rapidamente. Além disso, traz trechos em alemão. Este ano, ao reiniciar a leitura, comecei a achar que foi preconceito literário meu, e que o livro era bom. Mas, chegando mais ou menos na metade do livro, acabei me cansando um pouco. É uma boa história e tudo o mais, porém cansativa. Por um lado o leitor fica curioso para saber se o casal vai ficar junto, por outro, as digressões, metalinguagens e explicações do narrador, em 3ª pessoa, acabam irritando um pouco. É uma experiência muito válida a leitura deste livro, e eu até indico para quem quer conhecer o modernismo brasileiro, que eu gosto muito. Porém este livro não me cativou tanto assim. 
A fichinha do livro ficou um pouco incompleta hoje porque esta edição, que eu comprei em sebo, não traz as informações técnicas da obra. Ao final, tem tradução das poesias em alemão e uma breve biografia do autor. As páginas são grossas e amareladas, o que não sei se é de fábrica ou ação do tempo, e tem capa dura. Deve haver muitos exemplares deste por aí, já vi em dois blogs a edição com a capa igualzinha à minha. Eu darei 3 aviõezinhos. 

Deixarei abaixo um link com um belo resumo desta obra. Não sei se ainda tem algum vestibular que cobra, mas provavelmente vai ajudar o pessoal que está no final do ensino médio. E também deixarei as fontes de onde retirei o aparato gramatical que usei aqui. Eu não sou exatamente uma especialista em gramática normativa (na verdade é a matéria que mais odeio até hoje, até mais que bioestatística), então precisei conferir muita coisa para não falar bobagem por aqui.

2 comentários:

  1. Oh meu Deus!
    Eu não sabia que o Mário de Andrade possuía outras obras em prosa, além do Macunaíma (que tentei ler umas duas vezes, mas até hoje não saí do início, justamente por causa da oralidade).
    Essa história me pareceu muito boa, e realmente muito interessante! Apesar de você não ter gostado tanto assim, por causa da linguagem, e também das intervenções do autor na narrativa, eu fiquei muito interessada! Acho que vou procurar esse livro para ler!

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  2. É uma leitura válida. Depois me conte o que achou. Eu tenho muita vontade de ler Macunaíma, desde que descobri sobre o que se trata. Mas acho que a próxima obra do Modernismo que lerei será Serafim Ponte Grande, do Oswald de Andrade, que já tenho em casa há algum tempo. Amar, Verbo Intransitivo realmente traz uma história e uma crítica interessante, mas sei lá, não me cativou muito não... tem uma pegada água com açúcar e amor impossível, não faz muito meu estilo...

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